Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Maçons na China: A Conexão Portuguesa

Tradução José Filardo

por Ir.´. A.M.A. Gonçalves 30° – Loja Luz do Oriente #80  – Grande Loja Legal de Portugal

Publicada originalmente em Pietrestones

O surgimento da Maçonaria na China no século XVIII tem sido relatado como uma invenção britânica, originária do conflito histórico, a Guerra do Ópio, que envolveu a Grã-Bretanha e a China em uma disputa sobre as rotas de comércio na costa oriental chinesa e comércio do produto estupefaciente entre a população chinesa.  Como resultado desta guerra sangrenta, os britânicos passaram a ter direito a várias concessões extraterritoriais, ou seja, a ilha de Hong Kong, áreas de concessão em Cantão e outros portos (chineses) que eram fundamentais para proteger as rotas de seu comércio e presença como novo poder Imperial no Oriente. Nos navios que faziam o comércio do ópio da Inglaterra para a China, seda, porcelana e chá em direção a Londres, viajavam, além de marinheiros, comerciantes, militares, burocratas, empresários, intelectuais ou advogados que procuravam começar uma nova vida em terras chinesas, transportando os hábitos, tradições e modo de vida da Velha Albion. Clubes de Maçonaria eram parte desta tradição britânica e locais de encontro para a nobreza e a burocracia administrativa que seguiu o rastro dos navios da Companhia das Índias Orientais protegendo o domínio do Império britânico.

Facilmente, lojas maçônicas surgiram nas cidades onde os britânicos construíam seus assentamentos, separados das cidades chinesas e eram formas originais de vida recriadas em benefício da Comunidade mercantil e expatriada. Tomando Hong Kong como despojos do sangrento confronto que a empurrava contra o Império Celestial, a Grã-Bretanha recriou no árido pedaço de terra uma cidade aburguesada e a construiu de acordo com normas e peculiaridades britânicas, regidas pelo direito consuetudinário e regulamentos imperiais. À medida que as lojas surgiram na ilha como clubes de cavalheiros, a burguesia chinesa foi cuidadosamente deixada fora deles. Somente após a Fundação da República Popular da China, em 1949, esta situação mudaria, com as famílias britânicas fugindo da  turbulência política (na China) e que tornou a presença estrangeira quase impossível. As lojas britânicas criadas inicialmente na China dividiam-se entre Hong Kong e Taiwan, no primeiro território criando distritos subordinados à Grande Loja da Inglaterra, Escócia e Irlanda, e o segundo entrando em um processo de autonomia gradual que os levou a criar uma Grande Loja da China (Taiwan), um corpo que por muito tempo não foi reconhecido pela Maçonaria britânica por razões que são implícitas.

Diferentemente, então deste registro, eu tentaria argumentar que existem factualmente eventos que nos levaram a acreditar que a Maçonaria veio para o Oriente anos antes do que fora argumentado, originando-se em Macau, uma colônia de Portugal na primeira metade do século XVIII. Em 1759, um navio o “Príncipe Carl” da companhia Sueca das Ilhas do Índico Oriental chegou a Macau. Os maçons que vieram neste navio trouxeram uma carta patente para se reunir em Loja em qualquer porto a que eles atracassem, e eventualmente eles fizeram isso em Macau iniciando profanos e associando outros maçons portugueses e estrangeiros maçons que já viviam na colônia. Como o navio transportava funcionários da Companhia e outros comerciantes a Cantão, isso ajudou a criar um agrupamento maçônico informal em terras chinesas.

Na medida em que um segmento independente da Maçonaria Europeia se enraizou em Macau, formado por membros das comunidades locais e facilitado pelo uso da língua franca do Oriente, o português. Macau ficou sob domínio português em meados do século XVI (1557), como prêmio pela assistência dada (por navios portugueses) às autoridades imperiais chinesas na perseguição de piratas que assolava os portos (chineses).[1]  A presença portuguesa nunca foi contestada pelas autoridades chinesas de potências estrangeiras e esta situação estendeu-se até o século XIX, quando a China foi derrotada na Guerra do Ópio.[2]  Em 1862, um Tratado foi assinado entre o monarca Português e o Governo Imperial chinês.  Macau foi uma colônia de Portugal e, mais tarde, um território dependente, ficando claro que Lisboa não tinha qualquer poder soberano sobre o pedaço de terra, mas apenas um poder político administrativo[3]; uma situação que era identificada como “jurisdição dividida”, com as autoridades locais portuguesas governando a comunidade de expatriados e a autoridade Imperial de Cantão, governando o grosso do distrito chinês. Esta situação duraria até o final do século XX, quando uma Região Administrativa Especial foi instalada, dependente de Beijing e Portugal, a primeira potência europeia a vir ao Oriente, sendo a última a sair em dezembro de 1999.  Vivendo com considerável autonomia do distante Portugal, a comunidade portuguesa tornou possível o intercâmbio de culturas, filosofias, modos de vida e até mesmo práticas religiosas entre a minoria branca e a maioria de Chineses; Macau surgiu como uma cidade muito cosmopolita e aberta, onde práticas sociais distintas eram amplamente toleradas. Diferente do que aconteceu em Hong Kong, casamentos inter-raciais com mulheres chinesas, indianas ou Malaias eram muito comuns, formando gradualmente um grupo mestiço chamado “Macaense” que interconectava os portugueses com os principais grupos étnicos dos chineses Han. A Maçonaria acompanha essa linha de compromisso social e em  Macau algumas lojas e grupos maçônicos surgiram combinando membros portugueses, expatriados e outros membros relevantes da Comunidade macauense, que se espalham pela burocracia administrativa, empresas locais, profissões liberais e o círculo de intelectuais que faziam parte de uma sociedade local fervilhante. Dois deles, Camilo Pessanha e Wenceslau de Morais, eram membros do movimento intelectual dos poetas “simbolistas” no início do século XX, poetas aplaudidos e presença habitual nos clubes e eventos sociais da burguesia local. Ambos eram maçons e membros de uma loja portuguesa chamada Luís de Camões, dependente do Grande Oriente de Portugal. Camilo Pessanha progrediria até o grau 18 Rosa-Cruz do Rito Escocês Antigo e Aceito, de acordo com documentos acessíveis entre seus documentos pessoais.[4]

A lógica diferente da colonização de ambos os impérios, a influência crescentes dos chineses na vida em Macau, a visão hegemônica da Inglaterra como grande potência nos oceanos Pacífico e Índico tornou impossível qualquer coordenação entre as duas maçonarias. [5] Na segunda metade do século XVIII, as autoridades chinesas em Cantão impuseram aos empregados europeus das grandes Companhias das Índias Orientais que vivessem fora da cidade, ajudando a consolidar o domínio português em Macau[6]. As duas comunidades maçônicas vivem separadas, divididas pela língua mãe usada pelos poderes executivos, Inglaterra e Portugal, embora existam razões para crer que o contato entre os maçons de Hong Kong e Macau fosse possível.  Esta divisão iria se agravar durante os séculos XIX e XX, parte disso devido a desenvolvimentos históricos acontecendo em Portugal onde se alternam reis liberais e absolutos; os primeiros permitindo aos maçons prosseguir com suas atividades, recrutar novos membros e aumentar o número de lojas; os segundos perseguindo os maçons e caindo em cima de suas lojas.

Maçons portugueses estavam profundamente envolvidos nos movimentos liberais do século XIX, e como foi resumido em outros trabalhos, participavam de movimentos políticos que contribuíram para a deposição de monarquias do poder divino, o que levou à criação das monarquias constitucionais por toda a Europa[7]. A Maçonaria Portuguesa, embora fosse uma invenção britânica, aderiu entusiasticamente ao elegante estilo francês de clube de reflexão e  a  uma participação mais cosmopolita e politizada nos assuntos do mundo profano. Como reflexo, lojas e práticas ritualísticas de Macau eram mais liberalizadas que suas contrapartidas em Hong Kong. Um ponto básico desse desvio é a atitude oposta em relação à regularidade.

Maçonaria na China e Macau 

Tem-se discutido se a primeira loja maçônica na China teria sido  criação da Grande Loja da Inglaterra ou a Grande Loja Sueca, colocando-a por volta de 1788. Arthur Waite invoca a autoridade do Manual Alemão de Maçonaria, para argumentar que uma Loja de St. Elizabeth existia na cidade de Cantão antes de 1865, e que foi a mais antiga loja na China, mas que com o tempo desapareceu, deixando o espaço para duas Grandes Lojas distritais sob a Grande Loja de Inglaterra[8].  Nenhuma referência é feita a Macau pelo historiador americano que provavelmente ignorava a existência do território administrado por Portugal ou seguia cegamente fontes britânicas sem levar em consideração outras.

O que pode ser dito é que durante o século XIX duas Grandes Lojas distritais existiram, uma no Distrito Norte da China, reunindo cinco lojas localizadas em Shanghai, que aumentaram para onze; o distrito do Sul da China tinha sete lojas sob sua obediência, mais tarde, aumentando para nove. Mas a presença maçônica ocidental não era restrita às lojas  inglesas; em 1908 havia lojas escocesas, americanas e alemãs funcionando[9].  Além dessas, deve-se levar em consideração a existência de uma Sociedade Tríade, chamada Thian-Li-Hui, ou Liga da Terra e Céu que tinha atividades significativas durante a referida época e estava em contato com as Obediências Europeias[10].  Esta sociedade cujos rituais assemelham-se principalmente às tradições maçônicas esteve ultimamente envolvida em movimentos patrióticos que levaram à derrubada do Império Celestial e à Fundação por Sun Yat-sen, da República da China.

Após a dominação portuguesa em Macau, os maçons participam aleatoriamente em atividades organizadas por tripulações estrangeiras de navios europeus que se abrigavam nos portos de Macau. No seu relatório sobre a Maçonaria portuguesa, Oliveira Marques, o historiador maçônico cita do anuário do GOL (1922) a existência de uma loja chamada “Luís de Camões”, com o número 383, localizada em Macau e praticando o Rito Escocês.  Oliveira Marques dá o nome do oficial local da guarnição portuguesa – Domingos Gregório Rosa Duque – como o ponto oficial de contato[11]. Este fato é confirmado por Albert Mackey que afirma que em 1909, o Grande Oriente de Portugal cria uma loja com o referido nome em Macau e o Grande Oriente da Itália fez o mesmo em Shanghai[12].  Podemos argumentar com alguma certeza que desde um século antes, lojas portuguesas e estrangeiras reuniam-se em Macau, a saber, uma loja inglesa chamada “Amity” que aparece com o número 407 na lista de lojas de 1768 dependente da primeira Grande Loja de Inglaterra e uma loja que estava supostamente associada à Grande Loja do Estado de Alabama (Estados Unidos). A Loja “Luís de Camões” era, provavelmente, uma reedição de uma loja anterior com o mesmo nome, que existiu em Macau no início do século XIX formada por expatriados portugueses[13].

Há algumas razões fundamentais para a falta de registros históricos, considerando a atividade maçônica em Macau; primeiro endógena e segundo exógena. A distância geográfica da pátria, a participação aleatória de mestres locais nas atividades do Grande Oriente em Lisboa, tornam a exigência de processos dispensável. Complementarmente às sempre tensas relações entre a Igreja Episcopal e os círculos intelectuais liberais locais tornava essa identificação bastante arriscado para quem assumisse publicamente a condição de maçons. Nos períodos de turbulência política em Portugal, clérigos conservadores exigem a repressão contra lojas maçônicas e maçons em geral; isso tem um reflexo imediato em Macau onde a Igreja tinha uma presença expressiva em torno de organizações religiosas, a comitiva do Bispo e a Ordem dos Jesuítas que tinha a educação pública e privada com exclusividade. Periodicamente, conforme já foi dito em outros lugares, a Igreja aproveitou o momento em que um Rei de Direito Divino subiu ao trono em Portugal para exigir que a polícia e as autoridades administrativas  colocassem uma pesada mão sobre atividades maçônicas e fechassem as lojas[14].

Não existem documentos que possam atestar visitação regular de Grandes Inspetores da Ordem à organização local, como é tão comum hoje em dia, na Maçonaria. É duvidoso que a Loja organizasse qualquer tipo de registro sobre os  membros, atas de reuniões, datas de iniciação, aumento de salário e  exaltação dos membros para que não caíssem em mãos erradas. Uma última explicação é que a Maçonaria sofreu durante o século XIX muitas décadas de divisão e separação, dividida em diferentes Grandes Orientes ou Grandes Lojas (Grande Oriente de Portugal, Confederação maçônica, Grande Oriente Lusitano) e só em 1869 foi unificada sob o malhete do Conde de Parati em um Grande Oriente Lusitano Unido[15].

É basicamente desconhecido o perfil de recrutamento de membros para a loja portuguesa operando em Macau, mas se olharmos as descrições da vida na colônia durante a primeira metade do século XX, podemos imaginar que as fileiras eram compostas por funcionários do governo, membros de profissões liberais, militares e provavelmente alguns membros do clero local, simpático aos ideais liberais e republicanos, em moda na Europa.

Governadores de Macau que eram maçons;

Adriao Acacio da Silva Pinto e depois; António Alexandrino de Melo, barão do Cercal, autor do Palácio da Praia Grande, Cemitério de S. Miguel, Quartel dos Mouros e Clube Militar; Constâncio José da Silva; D. José da Costa Nunes; (…)


[1] Conceição, Lourenço Maria, Macau entre dois tratados com a China(“Macao between two treaties with China”),Instituto Cultural de Macau, Macau, 1988, p.8

[2] Em 1602 os holandeses formaram uma empresa com a finalidade de comerciar com a Índia e em 1609 eles cruzavam pelas  costas da China, levando-os a fundar um assentamento na ilha de Formosa (atual Taiwan). Em 1622, eles atacaram Macau, mas foram repelidos.

[3] Em 1688, o Governo Imperial criou uma alfândega em Macau (Ho Pu)

[4] A coleção de documentos pessoais de Pessanha  é parte de uma coleção existente na Biblioteca Nacional de Portugal e originária  de doações privadas. http://purl.pt/14369/1/apresentacao.html

[5] Na luta dos ingleses com os portugueses e holandeses pelos territórios e comércio na Índia em junho de 1637 quatro navios britânicos da Companhia das Índias Orientais  ancorados próximo a Macau procuravam negociar diretamente com comerciantes chineses. Isso era considerado uma invasão pelas autoridades mandarins e o capitão-geral de Macau foi convidado a empurrar os britânicos para fora das águas vizinhas. Ele exigiu que a frota inglesa deixasse a cidade, o que viria a acontecer. Puga, Rogerio Miguel, “Images and Representations of Japan and Macao in Peter Mundy’s Travels (1637)”, Bulletin of Portuguese/Japan Studies, 2001, vol. 1, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, pp. 97-109, in http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/361/36100106.pdf

[6] Boxer, Charles Ralph, Estudos para a História de Macau.  Séculos XVI and XVII(“Studies for the History of Macao: 16th and 17th centuries”),1st Tome, Fundação Oriente, Lisboa, 1991, p. 178.

[7] Gonçalves, A.M.A, “A Shortened History of Freemasonry in Portugal,” Pietre-Stones Review of Freemasonry, http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoGeng.html#_edn1

[8] Waite, Arthur Edward, A New Encyclopedia of Freemasonry,Wings Books, Nova Iorque, 1970, new edition 1996, p. 105.

[9] Ibidem

[10] Callery, Joseph Marie and Yvan, Melchior, L’ Insurrection en Chine, Depuis de son origine jusqu’ a la prise de Nankin, Librairie Nouvelle, Paris, 1853.

[11] Marques, A.H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo,2 edition, Publicações Dom Quixote, 1983, Lisbon, p. 109.

[12] Mackey, Albert, Haywood, H.L. Encyclopedia of Freemasonry, Part I, Kessinger Publisher 2002, p. 199.

[13] O pesquisador português João… argumenta que uma loja maçônica chamada Luis de Camões foi formada em Macau, com o patrocínio da Loja Lusitânia, uma loja criada em Londres pelos portugueses exilados e posteriormente colocada sob a jurisdição da Grande Loja da Inglaterra.

[14] Gonçalves, A.M.A, “A Shortened History…”, ibidem

[15] Grainha, M. Borges, História da Maçonaria em Portugal,Editora Limitada, Lisboa, 1912.

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